sábado, 18 de dezembro de 2010

2 poemas de Charles Baudelaire






Charles Baudelaire


A Morte dos Artistas


Quantas vezes é preciso sacudir meus guizos
E beijar tua fronte baixa, morna caricatura?
Para furar o alvo, de mística natura,
Quantos, ó meu cesto, perder de dados?

Usaremos nossa alma em sutis complôs,
E destruiremos muita pesada armadura,
Antes de contemplar a grande Criatura
Cujo infernal desejo enche-nos de dor!

Não há quem não conheça seu ídolo,
E esses escultores condenados, em afronta,
Que vão se golpeando o peito e a fronte,

Sem uma esperança, estranho e sombrio Capitólio!
É que a Morte, tal um novo sol a planar
As flores de seus cérebros fará desabrochar!

.
Trad. livre: Leonardo de Magalhaens
http://meucanoneocidental.blogspot.com
.
.

La Mort des Artistes (CXXIII)

Combien faut-il de fois secouer mes grelots
Et baiser ton front bas, morne caricature?
Pour piquer dans le but, de mystique nature,
Combien, ô mon carquois, perdre de javelots?

Nous userons notre âme en de subtils complots,
Et nous démolirons mainte lourde armature,
Avant de contempler la grande Créature
Dont l'infernal désir nous remplit de sanglots!

Il en est qui jamais n'ont connu leur Idole,
Et ces sculpteurs damnés et marqués d'un affront,
Qui vont se martelant la poitrine et le front,

N'ont qu'un espoir, étrange et sombre Capitole!
C'est que la Mort, planant comme un soleil nouveau,
Fera s'épanouir les fleurs de leur cerveau!


Les Fleurs du Mal

...

Charles Baudelaire


A Tampa


Onde quer que ele vá, ou sobre mar ou terra,
Sob um clima de chama ou sol branco,
Servidor de Jesus, cortesão de Citera,
Mendigo tenebroso ou Creso rutilante.

Cidadão, camponês, vagabundo, sedentário
Que seu pequeno cérebro seja ativo ou lento,
Em todo lugar o homem sofre o terror do mistério,
E olha ao alto senão com olhar trêmulo.

Acima, o Céu! o muro da cova que sufoca,
Teto iluminado para uma ópera bufa
Onde cada histrião pisa um chão de sangue;

Terror do devasso, esperança do tolo eremita;
O Céu! Tampa escura da grande marmita
Onde se confina a sutil e vasta Humanidade.

.
Trad. livre: Leonardo de Magalhaens
http://meucanoneocidental.blogspot.com
.
.

Le Couvercle (na 3ª edição)


En quelque lieu qu'il aille, ou sur mer ou sur terre,
Sous un climat de flamme ou sous un soleil blanc,
Serviteur de Jésus, courtisan de Cythère,
Mendiant ténébreux ou Crésus rutilant,

Citadin, campagnard, vagabond, sédentaire,
Que son petit cerveau soit actif ou soit lent,
Partout l'homme subit la terreur du mystère,
Et ne regarde en haut qu'avec un oeil tremblant.

En haut, le Ciel! Ce mur de caveau qui l'étouffe,
Plafond illuminé par un opéra bouffe
Où chaque histrion foule un sol ensanglanté;

Terreur du libertin, espoir du fol ermite;
Le Ciel! Couvercle noir de la grande marmite
Où bout l'imperceptible et vaste Humanité.


Les Fleurs du Mal
.
.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

sobre Klein Zaches / Pequeno Zacarias - de E T A Hoffmann








Sobre o conto “Pequeno Zacarias chamado Cinábrio
(Klein Zaches genannt Zinnober, 1818/19)
do escritor alemão E T A Hoffmann (1776-1822)


Fábula irônica sobre o desencantamento do mundo


O conto extenso (quase novela) O Pequeno Zacarias chamado Cinábrio é uma fantasia alegórica e crítica – aos moldes de um Voltaire ou de um Sade – sobre a sociedade e política prussianas na época da Revolução Francesa e dos 'déspostas esclarecidos' que pretendiam implantar o 'Iluminismo' por meio de decretos-lei.

É uma fantasia irônica onde o Narrador não é personagem, mas também não é onisciente, e até 'dialoga' com o leitor (considerado 'bondoso' ou 'amável'). O Narrador até se reconhece em erro (“Ich war im Irrtum”), e não menos que suas personagens.

Este tom de sátira pode ser comparado dos clássicos “Cândido” de Voltaire, ou ao “O Nariz” de Gógol, ou ainda “Recordações do Escrivão Isaías Caminha”, de Lima Barreto. Aqui se denuncia a hipocrisia em sociedade, os inescrupulosos em ascensão social.

O protagonista é um anão (o que podemos comparar com o Oskar de “O Tambor” (Die Blechtrommel, 1959, de G Grass), um ser deformado que passa a criticar o mundo ao redor, ao sentir rejeitado devido a própria feiúra – assim como acontece com o monstro criado pelo Dr. Frankenstein na obra de Mary Shelley.

Sabemos que Edgar Allan Poe leu obras de Hoffmann, e aqui saberemos quais as leituras do contista alemão. Ao longo do texto encontramos citações de ( e referências a) Shakespeare, Goethe, Schiller, Schlegel, Schubert, Jean Paul, Motte Fouqué, Georg Rüxner, além de Ludwig Tieck (autor alemão também citado por Poe, em “The Fall of House of Usher”).
.
[Aliás, Tieck (1773-1853) foi autor de contos macabros ou fantásticos (Phantasus, 1812-16) , além de tradutor de Don Quixote (Cervantes) e amigo dos irmãos Schegel – August, o crítico literário, e Friedrich, o filósofo -, em Jena. Segundo os críticos, Tieck influenciou também os contos / fábulas de Nathaniel Hawthorne]
.
Obras de Tieck (em zeno.org)
http://www.zeno.org/Literatur/M/Tieck,+Ludwig
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_Tieck
.

O Narrador é aquele que conta a estória, está presente, mostra-se ao Leitor, adianta as cenas futuras, ou volta (em flashbacks) aos acontecimentos passados, tudo para dar um sentido à narrativa, ainda que o enredo (o conteúdo) seja fantástico.

Um Narrador constantemente pedindo a 'condescendência' do Leitor, evidenciando o quanto a leitura (ou 'recepção') é essencial para 'montar' a narrativa – o leitor que muitas vezes lê 'nas entrelinhas' – e é importante que o escritor desde o início 'conquiste' a simpatia daquele/a que dedica-se ao ato de 'decifrar' o texto.

“Você, bondoso leitor, deve ter percebido” (“du würdest, günstiger Leser, dennoch wohl ahnen”) ou “você poderia, prezado leitor, apesar de” (“du könntest, lieber Leser, aber doch”) ou ainda, “o que, estimado leitor, estou disposto a narrar para você em detalhes” (“was ich dir, geliebter Leser, des breiteren zu erzählen eben im Begriff stehe.”)

“Em toda a vasta Terra seria bem difícil achar um lugar mais agradável que o pequeno principado, onde está a propriedade do Barão Pretextatus von Mondschein, onde morava a Senhorita von Rosenschön, em suma, onde tudo isso aconteceu, o que, estimado leitor, estou disposto a narrar para você em detalhes.”
.
(“Auf der ganzen weiten Erde war wohl sonst kaum ein anmutigeres Land zu finden, als das kleine Fürstentum, worin das Gut des Baron Prätextatus von Mondschein lag, worin das Fräulein von Rosenschön hauste, kurz, worin sich das alles begab, was ich dir, geliebter Leser, des breiteren zu erzählen eben im Begriff stehe.” c. 1)


Eis então a presença do 'fantástico' – afinal, a Senhoria von Rosenschön é uma fada! - no conto que pretende contrapor o racional ao féerico.

“Era sabido que ela, durante os passeios solitários na floresta, falava claramente com vozes fantásticas que pareciam soar das árvores, dos arbustos, das fontes e dos riachos.”
(“Dann war es gewiß, daß sie auf einsamen Spaziergängen im Walde laute Gespräche führte mit wunderbaren Stimmen, die aus den Bäumen, aus den Büschen, aus den Quellen und Bächen zu tönen schienen.” c. 1)

Enfim, um ser em contato com as forças da natureza – assim um “Manfred”, no poema-drama de Lord Byron – ou o eu-lírico de Poe no poema “Alone” - em contraponto aos seres que vivem na 'civilização'. É um idealização romântica do ser humano livre dos imperativos civilizatórios (como veremos em obras obras, aliás também em “Mal-Estar na Civilização”, de Freud)

Outra personagem se destaca por semelhante amor à Natureza. É o estudante Balthasar, uma imagem do melancólico com miríades de versos líricos de exaltação da Natureza – em contraponto ao estudante de ciências naturais (e que exalta as Ciências) Fabian.

Esta dicotomia Natureza X Civilização é mais nítida quando as personagens debatem o que seria Iluminismo – um conceito que ainda não assimilaram, vivendo num absolutismo de 'pátria' fragmentada (ainda não existia a Alemanha, só unificada em 1871), longe de um 'liberalismo' tal como concebido pelos ingleses e franceses.

O liberal Hoffmann não acreditava numa real atuação do Iluminismo (Aufklärung) na terra alemã – onde os 'déspotas esclarecidos' pretendem instituir os ideais iluministas – racionalidade, funcionalidade, liberdade comercial – por meio de decretos.

É o déspota que não pode aceitar a presença do fantástico (“Como? O que estás dizendo? - Fadas! - aqui no meu reino?” - “Wie? - was sagt er? - Feen! - hier in meinen Lande?”) e decreta o 'desencantamento do mundo' (“Entzauberung der Welt”, assim a expressão de Max Weber) quando a 'razão iluminista' passa a dominar o mundo de lendas através de um processo de 'secularização' (Verweltlichung). A fada então recolhe-se ao convento e aos arredores do bosque.

Temos também a figura dos estudantes e seus excêntricos professores. Os estudantes de ciências naturais e de artes. A imagem do melancólico com versos líricos de exaltação da Natureza, o jovem Balthasar. E seu amigo, também estudante, o folgazão Fabian.

Na floresta, os amigos encontram o pequeno Zacarias à cavalo, sempre desastrado e ridículo. Mas com demasiado orgulho, o pequeno declara ser o novo estudante da Universidade. Seu estranho fascínio contagia a todos – que simplesmente não percebem a estatura minúscula e a deformidade física do Cinábrio/ Zinnober. [Esclareçamos. Zinnober – Cinábrio – é um tipo de mineral, ou minério de mercúrio, de formato trigonal e cor vermelha, cuja denominação química é sulfeto de mercúrio.]


Quando o pequeno se comporta mal, é sempre um outro que é culpado – mas se alguém se destaca em talento, é sempre o pequeno Zaches que recebe os elogios! Até os nobres se deixam mesmerizados diante do pequeno – no qual enxergam um homem elegante e admirável !

Mas o estudante e poeta Balthasar desconfia de que ali há qualquer feitiço – isto é, se ele acreditasse em contos de fadas! (Irônico, não? Pois ele é personagem justamente de um conto-de-fadas! ou sátira de contos-de-fadas...)

“Com ele deve haver algo de secreto, e se eu acreditasse em contos-de-fadas até diria que o jovem está enfeitiçado e até sabe, como se diz, fazer o mesmo [enfeitiçar] às outras pessoas.” (“Es muss mit ihm irgendeine geheimnisvolle Bewandtnis haben, und sollt ich an alberne Ammenmärchen glauben, ich würde behaupten, der Junge sei verhext und könne es, wie man zu sagen pflegt, den Leuten antun.” cap. IV)


Claro que com exceção de Balthasar a maioria acredita que o Iluminismo baniu as fadas e os encantamentos. Que haveria sempre uma explicação racional para o poderoso 'carisma' de um Zinnober – que diríamos então do líder nazista Hitler seduziu toda a Alemanha, cem anos depois?

“Feiticeiro!”, exclamou o Refendário em entusiasmo, “Sim, feiticeiro, um maldito feiticeiro é este pequeno, com certeza! Mas, caro Balthasar, o que há afinal, estamos num sonho? Bruxarias, encantamentos, isto já não acabou há muito tempo? Pois há muito o Príncipe Paphnutius o Grande não introduziu aqui o Iluminismo e não baniu do país tudo o que é sem-sentido e incompreensível, e então deve ainda ter se intrometido entre nós alguém dessa corja maldita? Raios! Isso deveria ser denunciado à polícias e às autoridades alfandegárias!”

(»Hexenkerl,« rief der Referendarius mit Begeisterung, »ja Hexenkerl, ein ganz verfluchter Hexenkerl ist der Kleine, das ist gewiß! – Doch Bruder Balthasar, was ist uns denn, liegen wir im Traume? – Hexenwesen – Zaubereien – ist es denn damit nicht vorbei seit langer Zeit? Hat denn nicht vor vielen Jahren Fürst Paphnutius der Große die Aufklärung eingeführt und alles tolle Unwesen, alles Unbegreifliche aus dem Lande verbannt, und doch soll noch dergleichen verwünschte Konterbande sich eingeschlichen haben? – Wetter! das müßte man ja gleich der Polizei anzeigen und den Maut-Offizianten! cap. IV)


A sensação de não se saber acordado ou sonhando – tal é o nível do desvario – percorre todo o conto. “Eu não sei”, disse Pulcher”, não sei o que acontece nesse momento comigo, se eu estou acordado ou em sonhos; (“Ich weiß nicht,” sprach Pulcher, “ich weiß nicht, wie mir in diesem Augenblick zumute, ob ich wache, ob ich träume;” cap. IV)


O fato é que o 'carisma' de Cinábrio conquista a simpatia de autoridades, nobres, até a figura imperial do Príncipe. Ainda mais se houver algum talentoso por perto – todo o elogio será depositado aos pés do novo figurão. Príncipe enxerga ali um 'estadista'. “Valiosa auto-confiança”, disse o Príncipe com voz altiva, “valiosa auto-confiança demonstra uma força interior que deve existir em cada estadista.” (“Wackeres Selbstvertrauen”, sprach der Fürst mit erhobener Stimme, “wacres Selbstvertrauen seugt von der innern Kraft, die dem Würdigen Staatsmann inwohnen muss!” cap. V)

Assim, exibindo forças e intelecto que definitivamente não possui, Cinábrio se aproveita do encantamento e se vinga de todo o desprezo que sofreu quando era apenas o 'pequeno Zacarias'. Todos os talentos alheios são creditados ao disforme Ministro que todos agora julgam um homem belo e grandiloquente.

Claro, percebemos que estamos num conto de fadas – e um conto de fadas que constantemente faz referências aos... contos de fadas. São inúmeras as amostras de metalinguagem, quando as personagens ora duvidam, ora acreditam em magia e fadas, e julgam ser tudo possível em 'contos da carochinha' , como diríamos.

Assim a constante referência (ou auto-referência) aos contos de fadas, às fábulas (Fabelhaftes – coisa meio fabulosa; Ammenmärchen – contos de fadas ) as quais as personagens muitas vezes até tratam de modo pejorativo – por acaso estamos num conto da carochinha? - o que soa irônico, com certeza.

Afinal, na era do 'Iluminismo' todos se julgam no mundo explicável da racionalidade e da previsibilidade. Então o 'fantástico' surge rompendo as fronteiras entre o que se vivencia e o que é imaginável. Vejamos. A aparição do Dr. Prosper Alpanus é cercada de visões e enigmas – até que em dado momento teremos certeza de que ele não é exatamente um médico, mas um mago, um ser das eras de outrora, que fingia ajudar aos 'iluministas', mas ajudava seus irmãos fabulosos - magos, fadas, duendes, etc.


Temos cenas que em muito lembram “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Caroll ou “O Mágico de Oz” de Baum - as aparições extravagantes do Dr. Alpanus, a própria morada do tal Dr., além do duelo de magia – no capítulo VI - entre o mago Alpanus e a fada Rosabelverde (que se passa por uma dama reclusa, a Senhorita von Roseschön), aquela mesma que 'encantou' o pequeno Zacarias.


Enquanto os estudantes – e os políticos atraiçoados por Zinnober – tentam desmascarar os truques do pequeno ardiloso, duas outras figuras se destacam em paralelo – o Professor Mosch Terpin, sempre em pesquisas ditas científicas, sendo deveras oportunista, afinal promete a filha Candida (aquela que é a paixão do estudante Balthasar) em casamento ao novo poderoso – Zinnober - que é braço direito do Príncipe; e o Doutor Alpanus que em nome do racional flerta com o irracional sempre que age para 'equilibrar' as coisas (no caso, reduzir o efeitos dos poderes de Zinnober).

Assim eis a polarização – a ciência oportunista e a magia benfeitora – que estabelece o duelo final. Sendo que a magia de Alpanus deve desfazer o encanto da fada Rosabelverde, de modo a não desestabilizar o reinado 'iluminista' do Príncipe. Entre o racional e o irracional, muitas vezes o apaixonado Balthasar não sabe em quem confiar. Afinal, Terpin está mesmerizado por Zinnober, e pode ser que Alpanus não passe de um bruxo com segundas intenções – por exemplo, jogando as cartas para 'restaurar' o mundo das fadas?

Mas é preciso que Alpanus mostre que a magia tem seu lado benemérito. Que o Iluminismo em si não é suficiente para desencantar o mundo.


“Saiba que Cinábrio é o filho deformado de uma pobre camponesa e que, de verdade, chama-se Pequeno Zaches. Foi por vaidade que ele adotou o nome Cinábrio. A dama reclusa von Rosenschön, ou, mais exatamente, a famosa fada Rosabelverde, pois ninguém mais é esta dama, a que encontrou o monstrinho num caminho. Ela acreditando que compensava tudo o que a Natureza mãe-desnaturada negou ao pequenino, deu a ele um presente, um dom estranho e misterioso, que possibilita que tudo de excelente que um outro alguém pense, diga ou faça, seja mérito para ele, também que ele em boa sociedade, junto às pessoas bem-formadas, eruditas, inteligentes, seja ele assim considerado bem-formado, instruído, entendedor, e em tudo se dando bem, acima de todos, que entrarem em disputa com ele.”
.
(“Wisse, daß Zinnober die verwahrloste Mißgeburt eines armen Bauerweibes ist und eigentlich Klein Zaches heißt. Nur aus Eitelkeit hat er den stolzen Namen Zinnober angenommen. Das Stiftsfräulein von Rosenschön oder eigentlich die berühmte Fee Rosabelverde, denn niemand anders ist jene Dame, fand das kleine Ungetüm am Wege. Sie glaubte, alles, was die Natur dem Kleinen stiefmütterlich versagt, dadurch zu ersetzen, wenn sie ihn mit der seltsamen geheimnisvollen Gabe beschenkte, vermöge der alles, was in seiner Gegenwart irgendein anderer Vortreffliches denkt, spricht oder tut, auf seine Rechnung kommen, ja daß er in der Gesellschaft wohlgebildeter, verständiger, geistreicher Personen auch für wohlgebildet, verständig und geistreich geachtet werden und überhaupt allemal für den vollkommensten der Gattung, mit der er im Konflikt, gelten muß.” cap. VII)


Assim é o mago que consegue entender o encantamento – e está disposto a salvar o reino do príncipe 'iluminista' – que de Iluminismo só tem a casca de 'falsa erudição' e burocracia estatal. E por que? Por que essa 'boa ação'? Ainda mais num mundo de oportunistas? É que Alpanus acredita na força interior do estudante Balthasar – que é um poeta – e o mago acredita que no mundo moderno somente os poetas poderão assegurar aquela 'faísca' mágica – da 'música interior' - que animava o mundo das fadas.

“Estimo muito”, continuava Prosper Alpanus, “Estimo-te muito a adorável juventude, jovens iguais a ti, que trazem a nostalgia e o amor nos corações puros, em cujo íntimo ainda ressoam aqueles majestosos acordes que pertencem a um distante país cheio de maravilhas divinais, que é a minha pátria. Os felizes, os homens dotados com esta música interior, são os únicos que podem se chamar de poetas, apesar de que muitos assim se chamem, os que pegam em mãos, de primeira, um instrumento de corda e passam o arco em ruídos confusos, criados pelo gemer das cordas sob a ação dos punhos, e que consideram música excelente que ressoa de seu próprio íntimo.”
.
(“»Ich liebe,« fuhr Prosper Alpanus fort, »ich liebe Jünglinge, die so wie du, mein Balthasar, Sehnsucht und Liebe im reinen Herzen tragen, in deren Innerm noch jene herrlichen Akkorde widerhallen, die dem fernen Lande voll göttlicher Wunder angehören, das meine Heimat ist. Die glücklichen, mit dieser inneren Musik begabten Menschen sind die einzigen, die man Dichter nennen kann, wiewohl viele auch so gescholten werden, die den ersten besten Brummbaß zur Hand nehmen, darauf herumstreichen und das verworrene Gerassel der unter ihrer Faust stöhnenden Saiten für herrliche Musik halten, die aus ihrem eignen Innern heraustönt.” cap. VII)

Nem todos que assim se chamam 'Poetas' estão ligados aquela 'música interior' do mundo das maravilhas. Pois, por mais que tantos tenham 'sentimentos', nem todos são Poetas. A sensibilidade é um dos itens – mas falta talento, intuição, observação, educação estética.

Por fim, antes de abandonar o mundo dos 'iluministas' – numa viagem rumo a Índia – o mago Alpanus que ser compreendido, por mais que venha a soar 'non-sense', a reconhecer que é um tanto excêntrico, que deveria mesmo ter saído de um conto fabuloso,

“deves estar admirado com a minha fala, além disso muita coisa em mim deve parecer a ti bem incomum. Pense, porém, que eu, de acordo com o julgamento das pessoas sensatas, sou uma pessoa que deveria estar num conto-de-fadas, e sabes bem, caro Balthasar, que as pessoas podem se comportar de forma estranha e dizerem bobagens quando bem quiserem, sobretudo quando por trás de tudo há oculto algo que não pode se desprezar.”
.
du magst dich wohl über meine Reden verwundern, dir mag überhaupt manches seltsam an mir vorkommen. Bedenke aber, daß ich nach dem Urteil aller vernünftigen Leute eine Person bin, die nur im Märchen auftreten darf, und du weißt, geliebter Balthasar, daß solche Personen sich wunderlich gebärden und tolles Zeug schwatzen können, wie sie nur mögen, vorzüglich wenn hinter allem doch etwas steckt, was gerade nicht zu verwerfen.” cap. VII)


No final, até os céticos Fabian e Pulcher passam a acreditar em encantamentos, magias, e outros 'irracionalismos' que desafiam a soberania da erudição, da ciência, do bom andamento do Estado e o bem-estar dos cidadãos. Precisam seguir os conselhos do lado bom da magia contra o oportunismo da magia degenerada – onde os fins justificam os meios – para então restaurarem o equilíbrio – a meritocracia.

Assim é que o drama se resolve. Os nobres poderosos percebem que Cinábrio – ou Pequeno Zaches – não é um deles, é um plebeu – e deve ser expulso da 'boa sociedade'. E os demais personagens adentram os círculos de poder – o príncipe, o Estado, a Universidade, a Família - pelos méritos pessoais. Balthasar é puro e apaixonado, então será aceito no coração de Candida, enquanto os talentosos estudantes podem sonhar com um cargo – e as condecorações - que o oportunista Zinnober não hesitou em usurpar.

O próprio Pequeno Zaches é expulso do poder e do mundo – ele morre num momento de rebelião dos plebeus – e reencontra a origem – a mãe camponesa é aquela que o reconhece no final. O fim reata-se ao início, e na morte, na solidão derradeira, Zaches não parece tão feio ou mesquinho – ele que, na verdade, foi apenas mais um 'bobo da corte' numa encenação de poderes dos quais ele mesmo foi vítima.


out/10
.
.
.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Vamp Tale - O Homem Caolho (LdeM)




O Homem Caolho

A tempestade vem castigar a orla marítima, ameaçando uma aldeia de pescadores, sob a luz do farol bruxuleando na noite avançada. Arrogantes, por entre os arrecifes, as ondas ameaçam os litorais, ofertando à aldeia uma atmosfera úmida e salgada.

Os dois vultos, sob o abrigo dos galpões, ali no cais, observam a borrasca, que vem agitar os seus sobretudos. Um tremor a transmitir-se dos clamores rudes dos trovões até as faces rígidas, e pálidas.

O que se chamara Wendy Stake, traços de maturidade e experiência, num corpo saído da adolescência, se abriga melhor, nas vestes acolchoadas, contra o vento insinuante.

Ao seu lado, o outrora Cyril Walpole, estende os olhares até a manta alvacenta onde o firmamento tempestuoso encontra a massa das águas oceânicas.

Ambos em resguardado silêncio, presos a seus próprios fragmentos de recordações. Enquanto o vento dança e rodopia, difundindo gotículas e sal marinho, os dois vultos, imagem decadente de corpos vivos, podem vislumbrar nas águas turbulentas a metáfora de suas desgraçadas existências.

Outrora homens ligados, e dependentes. Hoje, restos de peregrinações incertas e inúteis. O antigo Sr. Stake, comerciante, mercador, voz ativa no Conselho de sua importante cidade, portuária e administrativa. O antigo senhor Walpole, acionista majoritário de uma companhia de navegação, dono de estaleiros, batizara muitos navios, que singraram audaciosamente os mares durante a última Grande Guerra.

Porém suas existências sob os nomes civis são névoa tênue, que emergem dos profundos abismos da fatalidade em momentos de insondável contemplação. Ondas açoitando um litoral indefeso - eis um cenário propício!


Slug, ou Lesma, como agora é invocado o antigo Sr. Walpole, devido a seus movimentos de apurada lentidão, vê na fúria das ondas o espumar da resistência de suas vítimas. Ou o borbulhar do sangue no corpo amedrontado. Ou o esguinchar da vida na carícia do beijo fatal.

Agasalhado, Stake é ainda incapaz de vencer a frieza que o envolve. Um frio desde dentro. Ele que aceitara sua horrenda condição e para a qual convidara um candidato a elo na sua corrente de rivais. Ele estendera a mão, ainda que rude, ao poderoso Walpole, ou Slug, convidando-o para uma bem diversa existência de competição e caça. A sobrevivência predatória no jardim selvagem sem deuses.

Súditos de Sua Majestade, imaginavam as Ilhas além-mar, os prados verdejantes e as Terras Altas, os castelos e as lendas as quais davam abrigo. Ambos viam na superfície da água a mão a receber a espada do antigo rei bretão.

E meio século de errância! E onde o Sr. Stake, herdeiro, voz persuasiva, bem-sucedido, jovem esposo? Onde seu sonho? The House of Commons? E onde o Sr. Walpole, construtor de navios e de um império? O pai de cinco existências caído nas malhas da teia de um jovem enlouquecido?

Ambos haviam desaparecido a bordo de um transatlântico, enquanto temiam os submarinos alemães. Corpos jamais encontrados, diziam as manchetes. Mas ninguém notara que um deles já estava morto, meses antes.

Mas não se jogaram ao mar. A vítima fora ocultada, em torpor, meio aos caixotes, nos decks inferiores. No cais da cidade mediterrânea a carga foi desembarcada normalmente.

Sim, quantas lembranças! Mas agora não apenas as ondas eufóricas atraem a atenção dos vultos de sobretudo. Observam que numa esquina está um sujeito. Aparentemente também a observar o mar. E há muito a se observar! Barcos são invadidos, virados. Velas são rasgadas, casebres destelhados. A avenida litorânea tomada pelas águas.

O cidadão atento às convulsões da tormenta, e os vultos atentos ao mínimo gesto do cidadão. Sim, observam-no cuidadosamente. O sujeito parece olhar meio de lado, assim inclinado para a direita. Em dados momentos até parece que é o sujeito que observa os vultos.

Este mútuo interesse incomoda os seres de ar tão sombrio, que abandonam a contemplação da tempestade, e adentram as ruas enlameadas da cidade portuária.

Porém, nas trevas densas, os pálidos vultos sentem a companhia. Na escuridão um único olho brilha. Um homem se aproxima. Não se incomoda com os sinistros. Até parece segui-los! Será o sujeito do cais?

Seguindo para Oeste, antes do amanhecer estão em Le Havre. De onde, no entardecer do segundo dia, saíra um navio para a Escandinávia, com parada em Rotterdam. Eis a conexão que trouxera os vultos ao litoral norte, tão próxima de casa. a antiga casa, o único lugar, o último lugar ao qual puderam considerar um lar.

Stake lança um olhar ao seu amante de gestos lentos. Slug seguia em passadas ritmadas, sem sobressaltos. Ambos em silêncio. Stake atento aquele que poderia ser seu pai, mas no entanto, no mundo sombrio, é o seu filho. Como ousaria abandonar Walpole na morte? Ainda aquela admiração adolescente?

Stake imerso em seu manto de ternura, Slug em seu silêncio lento e pegajoso, e as pegadas de um terceiro ecoam nas paredes lodosas. A presença do curioso incomoda, a situação é toda muito peculiar.

O homem está próximo. Em sua face um olho atento, intimidante, enquanto o outro jaz inerte, a órbita num corte grotesco. Um ciclope?

Uma voz sóbria e profunda:

- Senhores, espero que nesta escuridão possa lhes servir, como guia, o meu único olho.

Os vultos entendem. Sim, o "homem caolho", One-eyed Man. A advertência de Montauban. Sobre o homem cegado por uma estaca, quando tentava cravá-la em um dos nossos. Agora, seu ódio guia-o por décadas, ou serão séculos?, dentro da noite, caçando impiedosamente. Sua vingança espelhada em seu único olho de ciclope!

Stake segura o braço de Walpole, agora à espera da fatalidade. Ambos sabem que acabam de encontrar o fim. O fim, realmente. Nada de lutas, resistências vãs.

E sabem que assim, em tal atordoamento, facilitam o trabalho do homem de um olho só.

Na escuridão um único olho brilha.

Agora o jovem pai procura o velho filho e no silêncio do gesto se despedem. Ansiosos, aguardam, enfim, a segunda morte.


Jul/01/Jan/05


sábado, 11 de dezembro de 2010

Edgar Allan Poe - Alone / Só




Edgar Allan Poe

ALONE / Só

Desde a infância eu tenho sido
Diferente d'outros – tenho visto
D'outro modo – minhas paixões
Tinham uma outra fonte e
Minhas mágoas outra origem -
No mesmo tom não despertava
O meu coração para a alegria -
O que amei – eu amei só.
Então – na infância – a aurora
Da vida atormentada – estava
Em cada nicho de bem e mal
O mistério que me prendia -
Da correnteza, da fonte -
Da escarpas rubras do monte -
Do sol que me rodeava
Em pleno outono dourado -
Do relâmpago nos céus
Quando sobre mim passava -
Do trovão, da tormenta -
E a nuvem tem a forma
(Quando o resto do céu é azul)
D'um demônio aos meus olhos.
.
.
Trad. Leonardo de Magalhaens
http://meucanoneocidental.blogspot.com/
.
.
Alone

From childhood's hour I have not been
As others were; I have not seen
As others saw; I could not bring
My passions from a common spring.
From the same source I have not taken
My sorrow; I could not awaken
My heart to joy at the same tone;
And all I loved, I loved alone.
Then- in my childhood, in the dawn
Of a most stormy life - was drawn
From every depth of good and ill
The mystery which binds me still:
From the torrent, or the fountain,
From the red cliff of the mountain,
From the sun that round me rolled
In its autumn tint of gold,
From the lightning in the sky
As it passed me flying by,
From the thunder and the storm,
And the cloud that took the form
(When the rest of Heaven was blue)
Of a demon in my view.
.
.
Edgar Allan Poe
.
.
.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

To The Lighthouse - trechos - Virginia Woolf







To the Lighthouse

Virginia Woolf

Time passes / O tempo passa

(trechos)

trad. Leonardo de Magalhaens

VII

Noite após noite, verão e inverno, a tormenta de temporais, a aguda quietude do bom clima, mantinha sua soberania sem interferência, ouvindo (se tivesse alguém para ouvir) dos cômodos superiores da casa vazia apenas gigantesco caos riscado com relâmpagos poderiam ter sido ouvidos rolando e sacudindo, enquanto os ventos e ondas se entretiam como massas amorfas de Leviatãs cujos semblantes eram perfurados por nenhuma luz da razão, e amontoados um em cima do outro, e jogavam-se e mergulhavam no escuro ou na luz do dia (pois noite e dia, mês e ano juntos corriam sem forma) em jogos idiotas, até parecer como se o universo fosse batalhar e contorcer, na bruta confusão e luxúria sem rumos.

Na primavera os vasos do jardim, casualmente cheios com plantas brotadas no vento, eram joviais como sempre. Vieram violetas e nrcisos. Mas a quietude e a claridade do dia eram tão estranhas quanto o caos e o tumulto da noite, com as árvores eretas, e as flores lá elevadas, olhando diante delas, olhando pra cima, e ainda nada observando, sem olhos, e, assim, terríveis.


7


Night after night, summer and winter, the torment of storms, the arrow-
like stillness of fine (had there been any one to listen) from the
upper rooms of the empty house only gigantic chaos streaked with
lightning could have been heard tumbling and tossing, as the winds and
waves disported themselves like the amorphous bulks of leviathans whose
brows are pierced by no light of reason, and mounted one on top of
another, and lunged and plunged in the darkness or the daylight (for
night and day, month and year ran shapelessly together) in idiot games,
until it seemed as if the universe were battling and tumbling, in brute
confusion and wanton lust aimlessly by itself.

In spring the garden urns, casually filled with wind-blown plants, were
gay as ever. Violets came and daffodils. But the stillness and the
brightness of the day were as strange as the chaos and tumult of night,
with the trees standing there, and the flowers standing there, looking
before them, looking up, yet beholding nothing, eyeless, and so
terrible.

IX

A casa estava abandonada; a casa estava deserta. Foi deixada como uma concha numa duna a encher-se com areia e grãos de sal agora que a vida se foi. A longa noite parece ter se instalado; as brisas frívolas, beliscante, os sopros viscosos, gaguejantes, pareciam ter triunfado. A panela tinha enferrujado e o tapete se desfeito. Rãs lá dentro faziam barulho. Inutilmente, sem rumos, o oscilante xale vagava pra lá e pra cá. Um cardo irrompera entre as telhas da despensa. As andorilhas fizeram ninho na sala; o chão coberto com palha; o reboco em pazadas; as vigas se mostravam nuas; ratos transportavam isto ou aquilo para roer atrás do madeirame das paredes. Mariposas pequena-tartaruga irrompiam de suas crisálidas e tamborilavam suas vidas contra as vidraças. Papoulas disseminavam-se entre as dálias; o gramado ondulava com a grama alta; alcachofras gigantes cresciam entre as rosas; um franjado cravo florescia entre os repolhos; enquanto o gentil golpear de uma erva daninha na janela tem se tornado, nas noites de inverno, um tamborilar de árvores insistentes e espinhosas urzes que deixam verde toda a sala no verão.

Que poder poderia agora preenir a fertilidade, a insensibilidade da natureza? O sonho da Sra. McNab com uma senhora, uma criança, um prato de mingau? Tinha flutuado sobre as paredes tal o feixe de luz solar e esvanecido. Ela tinha trancado a porta; ela foi embora. Era tudo além da força de uma mulher, ela dizia. Eles não enviavam alguém. Eles nunca escreviam. Haviam coisas lá apodrecendo nas gavetas – era uma vergonha deixar tudo assim, ela dizia. O lugar fora deixado ao destroço e à ruína. Apenas o brilho do Farol entrava nos cômodos por um instante, enviava seu súbito olhar sobre cama e parede nas trevas do inverno, olhava com complacência o cardo e a andorinha, o rato e a palha. Nada agora poderia resistir a eles; nada diria 'não' a eles. Deixe o vento soprar; deixe a papoula se disseminar e o cravo acasalar-se com o repolho. Deixe a andorinha construir na sala, e o cardo afastar as telhas; e a borboleta banhar-se de sol no desbotado forro dos sofás. Deixe o copo quebrado e a porcelana cair no gramado e serem confundidos com a grama e com as frutas silvestres.

Pois agora era o momento, esta hesitação quando na aurora treme e à noite faz pausa, quando se uma pluma leve pousasse e pesasse na balança. Uma pluma, e a casa, afundando, caindo, teria se abatido e mergulhado nos abismos das trevas. No cômodo arruinado, fazedores de piquenique poderiam esquentar suas chaleiras; lá os amantes procurariam abrigo, a se deitarem nas tábuas desnudas; e o pastor guardaria seu jantar entre os tijolos, e o vadio dormiria com seu casaco enrolado para proteger do frio. Então o teto cairia; urzes e ervas daninhas teriam ocupado a trilha, o degrau, e a janela; teriam crescido, desiguais mas animados sobre os escombros, até que algum passante, perdendo-se no caminho, poderia dizer devido a um atiçador entre as urtigas, ou um caco de porcelana nas ervas daninhas, que aqui, certa vez, alguém havia vivido; lá existira uma casa.

[...]



9


The house was left; the house was deserted. It was left like a shell
on a sandhill to fill with dry salt grains now that life had left it.
The long night seemed to have set in; the trifling airs, nibbling, the
clammy breaths, fumbling, seemed to have triumphed. The saucepan had
rusted and the mat decayed. Toads had nosed their way in. Idly,
aimlessly, the swaying shawl swung to and fro. A thistle thrust itself
between the tiles in the larder. The swallows nested in the drawing-
roon; the floor was strewn with straw; the plaster fell in shovelfuls;
rafters were laid bare; rats carried off this and that to gnaw behind
the wainscots. Tortoise-shell butterflies burst from the chrysalis and
pattered their life out on the window-pane. Poppies sowed themselves
among the dahlias; the lawn waved with long grass; giant artichokes
towered among roses; a fringed carnation flowered among the cabbages;
while the gentle tapping of a weed at the window had become, on
winters' nights, a drumming from sturdy trees and thorned briars which
made the whole room green in summer.

What power could now prevent the fertility, the insensibility of
nature? Mrs. McNab's dream of a lady, of a child, of a plate of milk
soup? It had wavered over the walls like a spot of sunlight and
vanished. She had locked the door; she had gone. It was beyond the
strength of one woman, she said. They never sent. They never wrote.
There were things up there rotting in the drawers--it was a shame to
leave them so, she said. The place was gone to rack and ruin. Only
the Lighthouse beam entered the rooms for a moment, sent its sudden
stare over bed and wall in the darkness of winter, looked with
equanimity at the thistle and the swallow, the rat and the straw.
Nothing now withstood them; nothing said no to them. Let the wind
blow; let the poppy seed itself and the carnation mate with the
cabbage. Let the swallow build in the drawing-room, and the thistle
thrust aside the tiles, and the butterfly sun itself on the faded
chintz of the arm-chairs. Let the broken glass and the china lie out
on the lawn and be tangled over with grass and wild berries.

For now had come that moment, that hesitation when dawn trembles and
night pauses, when if a feather alight in the scale it will be weighed
down. One feather, and the house, sinking, falling, would have turned
and pitched downwards to the depths of darkness. In the ruined room,
picnickers would have lit their kettles; lovers sought shelter there,
lying on the bare boards; and the shepherd stored his dinner on the
bricks, and the tramp slept with his coat round him to ward off the
cold. Then the roof would have fallen; briars and hemlocks would have
blotted out path, step and window; would have grown, unequally but
lustily over the mound, until some trespasser, losing his way, could
have told only by a red-hot poker among the nettles, or a scrap of
china in the hemlock, that here once some one had lived; there had been
a house.
[...]

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Quem quer que você seja, segurando-me agora nas mãos




Walt Whitman

Whoever you are, holding me now in hand

Quem quer que você seja, segurando-me agora nas mãos,
Sem uma coisa, tudo será inútil,
Vou avisar antes que você continue,
Não sou o que você supõe, sou bem diferente.

Quem é ele que se tornaria meu seguidor?
Quem se alistaria a ser candidato de meus afetos?

O caminho é suspeito, o resultado incerto, talvez destrutivo.
Você teria que abandonar tudo, somente eu esperaria
ser o teu Deus, único e exclusivo,
Seu noviciado seria longo e exaustivo,
Toda a teoria antiga de sua vida e toda a conformidade
com as vidas ao seu redor, teria de ser abandonada;
Por isso livre-se de mim agora, antes que eu perturbe você -
tire a mão dos meus ombros,
Deixe-me de lado, e siga o seu caminho.

Ou então, furtivos, em algum bosque, por causa da justiça,
Ou atrás de um rochedo, ao ar livre,
(Pois eu não apareço sob um teto de casa, ou junto
de companhia,
E nas bibliotecas estou mudo, inerte,
não-nascido, ou morto,)
Mas, possivelmente, com você num alto de colina,
primeiro vigiando para que alguém, milhas ao redor,
não possa chegar sem ser percebido,
Ou possivelmente com você navegando no mar,
ou numa praia, ou ilha deserta,
Aqui eu permito que você coloque os seus lábios
sobre os meus,
Com o longo beijo de camarada, ou beijo de
novo esposo,
Pois eu sou o novo esposo, eu sou o camarada.

Ou se você quiser, insinuando-me dentro de suas roupas,
Onde eu possa ouvir o palpitar de seu coração, ou
descansar junto ao seu quadril.

Leve-me com você quando seguir por terra ou mar,;
Pois assim apenas ao tocar você será suficiente, - o melhor
E ao tocar você eu poderia dormir em silêncio e ser
conduzido eternamente.

Mas ao conhecer atentamente estas páginas, você conhecerá o perigo,
Pois estas páginas, e a mim, você não pode compreender.
Primeiro, elas vão eludir você, mais adiante,
e eu vou eludir você, com certeza,
Mesmo quando você pensar que me apanhou, veja bem!
Veja que eu já escapei de você.

Pois não é pelo que deixei nele que escrevi este livro,
nem é ao ler que você vai adquiri-lo,
Nem assim conhecem-me bem aqueles que admiram-me
e altivamente louvam-me,
Nem os candidatos ao meu amor, (a menos que sejam uns
poucos) se provarão vitoriosos,
E nem meus poemas farão apenas bem – eles também
farão tanto mal, talvez mais;
Pois tudo é inútil sem o que você poderia adivinhar muitas vezes
e não alcançar – o que insinuei;
Então livre-se de mim, e siga o seu caminho.
.
trad. livre: Leonardo de Magalhaens
.
in “Leaves of Grass” 1855
.
.

sábado, 27 de novembro de 2010

to the lighthouse - time passes (trecho2)




To the Lighthouse

Virginia Woolf

Time passes / O tempo passa

(trechos)


trad. Leonardo de Magalhaens


VI

[...]

E agora no calor do verão o vento enviava suas espias ao redor da casa novamente. Moscas caíam nas teias nos cômodos ensolarados; ervas daninhas que tinham crescido perto dos vidros na noite golpeavam metodicamente nas vidraças. Quando as trevas caíam, o feixe de luz do Farol, que tinha se deitado com tal autoridade sobre o carpete no escuro, destacando seus padrões, veio agora na mais suave luz da primavera mesclada com o luar deslizando gentilmente como se pousasse uma carícia e se detia furtivamente e olhava e vinha amavelmente de novo. Mas na grande valmaria desta amável carícia, quando o longo feixe de luz se inclinava sobre a cama, a rocha se fendia em pedaços; outra prega do xale se soltava; lá fica suspensa, e oscilava. Através das breves noite de verão e os longos dias de verão, quandos os cômodos vazios pareciam murmurar com os ecos dos campos e o zumbir das moscas, o longo jorro de luz ondulava gentilmente, oscilam sem rumos; enquanto o sol assim listrava e bloqueava os cômodos e enchia-os com névoa amarela que a Sra. McNab, quando ela irrompia e cambaleava, limpando o pó, varrendo, parecia tal um peixe tropical remando seu caminho através das águas lancetadas pelo sol.

Mas o torpor e o sono, apesar disso, poderiam vir mais tarde no verão sinistros sons tais os golpes medidos de marretas abafadas sobre feltro, que, com suas batidas repetidas até soltarem ainda mais o xale e racharem as xícaras. Agora e novamente algum copo retinia no armário como se uma voz gigante tivesse gritado tão alta em sua agonia que agitasse também lá dentro o armário a vibrar. Então novamente caía o silêncio; e então, noite após noite, e às vezes em pleno meio-dia quando as rosas bilhavam e a luz voltava-se à parede sua forma claramente lá parecia gotejar neste silêncio, esta indiferença, esta integridade, o baque de algo caindo.

[...]


And now in the heat of summer the wind sent its spies about the house
again. Flies wove a web in the sunny rooms; weeds that had grown close
to the glass in the night tapped methodically at the window pane. When
darkness fell, the stroke of the Lighthouse, which had laid itself with
such authority upon the carpet in the darkness, tracing its pattern,
came now in the softer light of spring mixed with moonlight gliding
gently as if it laid its caress and lingered steathily and looked and
came lovingly again. But in the very lull of this loving caress, as
the long stroke leant upon the bed, the rock was rent asunder; another
fold of the shawl loosened; there it hung, and swayed. Through the
short summer nights and the long summer days, when the empty rooms
seemed to murmur with the echoes of the fields and the hum of flies,
the long streamer waved gently, swayed aimlessly; while the sun so
striped and barred the rooms and filled them with yellow haze that Mrs.
McNab, when she broke in and lurched about, dusting, sweeping, looked
like a tropical fish oaring its way through sun-lanced waters.

But slumber and sleep though it might there came later in the summer
ominous sounds like the measured blows of hammers dulled on felt,
which, with their repeated shocks still further loosened the shawl and
cracked the tea-cups. Now and again some glass tinkled in the cupboard
as if a giant voice had shrieked so loud in its agony that tumblers
stood inside a cupboard vibrated too. Then again silence fell; and
then, night after night, and sometimes in plain mid-day when the roses
were bright and light turned on the wall its shape clearly there seemed
to drop into this silence, this indifference, this integrity, the thud
of something falling.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

2 poemas de Emily Dickinson





Emily Dickinson
.

Tive fome todos estes anos;
A cada meio-dia vim almoçar;
Tremendo, aproximei a mesa,
E degustei o curioso vinho.
.
Tinha visto este sobre a mesa,
Quando faminta, vagava sozinha,
Olhava às janelas, eis a fartura
Que para mim não podia esperar.
.
Não conhecia o pão farto;
Era bem diferente a migalha
Que compartilhei com as aves
Na sala de jantar natural.
.
A fartura ofendia, tão nova, -
Que sentia-me doente e estranha,
Como se fosse fruto silvestre
Transportado à beira de estrada.
.
Nem faminta estava; descobria
Que fome era um jeito
Das pessoas antes lá fora
Renegassem ao entrar.
.
.
Trad. Leonardo de Magalhaens
.
.
Emily Dickinson
(EUA, 1830-1886)



.

.


Emily Dickinson

.
Em minha mente senti um funeral,
E carpideiras seguiam,
Marchando, marchando, até parecia
Que os sentidos se rompiam.

.
E quando todos se sentaram,
A assistência soava um tambor
Que batia, batia, até pensei
Que minha mente caía em torpor.

.
E então ouvi: ergueram a caixa,
E em minha alma rangeu
Com aquelas mesmas botas pesadas.
Então o espaço todo tremeu

.
E todo o céu era um sino
E o Ser nada além de ouvido,
E eu e o silêncio de estranha raça,
Aqui miserável, só, perdida.

.

.
Trad. Leonardo de Magalhaens

Emily Dickinson
(EUA, 1830-1886)



original poem in


.


.


.

sábado, 20 de novembro de 2010

Rumo ao Farol - Virginia Woolf (trechos) 1









To the Lighthouse

Virginia Woolf

Time passes / O tempo passa

(trechos)
.

trad. Leonardo de Magalhaens
.

IV
.
Então com a casa vazia e as portas trancadas e as tapeçarias enroladas, estas brisas sem rumos, postos avançados de grandes exércitos, urgiam, roçavam em tábuas desnudas, roídas e ventiladas, nada encontravam em quartos ou salas que completamente resistiam a elas [as brisas] mas apenas cortianas que vibravam, madeira que rachava, as pernas desnudas das mesas, panelas e porcelanas já forradas, sem cor, rachadas. Que as pessoas tinham abandonado – um par de sapatos, um chapéu de caça, algumas saias desbotadas e casacos nos armários – esses sozinhos mantinham a forma humana e no vazio indicavam como certa vez eles foram preenchidos e animados; como certa vez mãos foram ocupadas com colchetes e botões; como certa vez o espelho tinha refletido uma face; tinha mantido um mundo esvaziado no qual uma figura voltava, uma mão acenava, a porta abria, através da qual entravam crianças correndo e tropeçando; e a saírem de novo. Agora, dia após dia, a luz voltava, tal uma flor refletida na água, sua aguda imagem na parede oposta. Apenas as sombras das árvores, florescendo no vento, prestavam obediência à parede, e por um momento escureciam a piscina na qual a luz se refletia; ou aves, voando, faziam uma suave mancha oscilar lentamente através do chão do quarto.

[...]
.
4

.
So with the house empty and the doors locked and the mattresses rolled
round, those stray airs, advance guards of great armies, blustered in,
brushed bare boards, nibbled and fanned, met nothing in bedroom or
drawing-room that wholly resisted them but only hangings that flapped,
wood that creaked, the bare legs of tables, saucepans and china already
furred, tarnished, cracked. What people had shed and left--a pair of
shoes, a shooting cap, some faded skirts and coats in wardrobes--those
alone kept the human shape and in the emptiness indicated how once they
were filled and animated; how once hands were busy with hooks and
buttons; how once the looking-glass had held a face; had held a world
hollowed out in which a figure turned, a hand flashed, the door opened,
in came children rushing and tumbling; and went out again. Now, day
after day, light turned, like a flower reflected in water, its sharp
image on the wall opposite. Only the shadows of the trees, flourishing
in the wind, made obeisance on the wall, and for a moment darkened the
pool in which light reflected itself; or birds, flying, made a soft
spot flutter slowly across the bedroom floor.


.
.
Parecia que nada poderia romper esta imagem, corromper esta inocência, ou perturbar o oscilante manto do silêncio no qual, semana após semana, no cômodo vazio, ondulavam o piar cadente das aves, o apitar de navios, o zumbir e o zunir dos campos, um latido de cão, um grito de homem, e envolvia-os ao redor a casa em silêncio. Uma vez apenas uma tábua se soltava no terraço; uma vez, no meio da noite com um estrondo, com um êxtase, como se após séculos de consenso, uma rocha se desprendesse da montanha e ressoasse irrompendo no vale, numa prega do xale a soltar-se e oscilar pra lá e pra cá. Então novamente a paz desceu; e a sombra ondulou; a luz se inclinou a sua própria imagem em adoração na parede do quarto; e a Sra. McNab, rompendo o véu de silêncio com as mãos que seguravam no balde, rangendo com botas que tinham esmagado o cascalho, veio direto para abrir todas as janelas, e tirar a poeira dos quartos.

.
Nothing it seemed could break that image, corrupt that innocence, or
disturb the swaying mantle of silence which, week after week, in the
empty room, wove into itself the falling cries of birds, ships hooting,
the drone and hum of the fields, a dog's bark, a man's shout, and
folded them round the house in silence. Once only a board sprang on
the landing; once in the middle of the night with a roar, with a
rupture, as after centuries of quiescence, a rock rends itself from the
mountain and hurtles crashing into the valley, one fold of the shawl
loosened and swung to and fro. Then again peace descended; and the
shadow wavered; light bent to its own image in adoration on the bedroom
wall; and Mrs. McNab, tearing the veil of silence with hands that had
stood in the wash-tub, grinding it with boots that had crunched the
shingle, came as directed to open all windows, and dust the bedrooms.

.

fonte: http://gutenberg.net.au/ebooks01/0100101.txt
.
.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A poesia social de Vinicius de Moraes e João Cabral de Melo Neto








A questão social nos poemas
de Vinicius de Moraes
e João Cabral de Melo Neto

Abordaremos aqui a presença da 'questão social' na Poética dos seguintes autores do Modernismo brasileiro: Vinicius de Moraes (1913-1980), jornalista, literato, compositor e diplomata, atuando nos anos 40 e 50, principalmente, com a divulgação de poemas (entre os quais os famosos sonetos líricos) e a música popular (bossa nova); e João Cabral de Melo Neto (1920-1999), diplomata e poeta, com grande destaque na dramaturgia, com “Morte e Vida Severina” (1966).

São autores de distintos estilos. Vinicius é um poeta dos sentimentos, com sonetos clássicos e líricos, soando sempre nostálgico, em melódicas assonâncias. Enquanto João Cabral é o poeta de corte áspero, não-lírico, quase racional (ou cartesiano) quanto possível. Mas um enfoque proposto aqui seria o de pensar o tema da 'questão social', da desigualdade social, do drama social brasileiro, nos poemas mais 'políticos' de João Cabral e Vinicius de Moraes. Uma proposta de usar os mesmos métodos dos autores realistas, do século 19, e início do 20, onde a Arte devia apresentar um olhar mais 'realista' sobre a realidade – com temas antes excluídos, como miséria e prostituição - abandonando, assim, os traços idealizantes próprios do estilo romântico.

O método do 'realismo social' foi mais usado – e coptado – pelos autores e críticos do 'Realismo socialista' – entre os quais Gramsci e Lukács – que apreciavam um olhar maior sobre os contextos sociais do que sobre a Linguagem propeiamente dita – enquanto Maiakóvski e Brecht sabiam trabalhar tão bem o texto-contexto. Tanto é a preocupação com o contexto que Lukács apreciava Thomas Mann (de “Os Buddenbrook”) mais do que os contos alegóricos de Kafka (mesmo que façamos leituras políticas de “A Metamorfose”, “O Castelo”, “A Colônia Penal”, “A Muralha da China”, etc)

Podemos usar perfeitamente o 'método' do 'realismo social' (que integra a 'periferia' no centro do Cânone) para lermos presentemente os poemas mais politizados contextualmente. Temos a 'poesia engajada' de Carlos Drummond de Andrade (principalmente em “A Rosa do Povo”), Affonso Romano de Sant'Anna, Ferreira Gullar, de Thiago de Mello, de Moacyr Félix, dentre outros. A poesia engajada que ousa integrar a linguagem poética com a fala dos oprimidos, dos marginalizados, dos dominados pelos sistema de lucro e exploração.

Sobre a 'poesia engajada' no Brasil temos um trecho do texto (disponível online) do crítico Felipe Fortuna,

É preciso recordar que a literatura engajada, àquela época, procurava soluções "populares", que dessem finalidade aos diversos textos, com base tanto na realidade nordestina quanto nas apostilas de Gramsci. Ferreira Gullar escrevia romances de cordel; Moacyr Félix compunha longos cantos e editava cadernos de poesia que registravam o inconformismo com a ditadura militar e o imperialismo norte-americano. Morte e Vida Severina (1955), de João Cabral, conhecia fama cada vez maior - e é, ao que conste, o melhor resultado de literatura engajada que se fez no Brasil.

Há toda uma 'correspondência', um dialogismo entre os poetas João Cabral e Vinicius de Moraes, com amostras de 'aproximação e afastamento', segundo ressaltou o Prof. Roniere em palestra. “Ilustração para a 'Carta aos puros' de Vinicius de Moraes”, “Resposta a Vinicius de Moraes” e “Para Vinicius de Moraes” ( em “Faca só lâmina”, “cuidado com o objeto / com o objeto cuidado”) são poemas de João Cabral que dialogam com poemas de Moraes, tais como “O Poeta”, “Pescador”, “Mensagem à Poesia”, “Retrato, à sua Maneira” (onde chama Cabral de “camarada diamante”) com destaque para a Metalinguagem e para a atividade peculiar do Poeta de dar sentido e de 'ressignificar' o mundo.

De Moraes o poemas que apresentam maior comprometimento com temas sociais são “Elegia Desesperada”, “Mensagem à Poesia”, “Balada dos Mortos dos Campos de Concentração", "A bomba atômica”, “A Rosa de Hiroshima” e “O Operário em Construção”, sempre ao lado de alusões metalinguísticas e lirismos. De início a escrita de Moraes impregnava-se de lirismo, saudosismo e reverência religiosa, que gradativamente transmutavam-se em melodia, boêmia e ironia.

O Operário em Construção”, ao lado de “Morte e Vida Severina” são dois exemplos evidentes de 'poesia engajada' no sentido de mostrar a Arte preocupada com temas de 'realismo social' – o estilo que é anterior ao Surrealismo, Cubismo, Dadaísmo, estilos modernistas, que não eram considerados anti-burgueses pelos socialistas, mas 'arte burguesa', por ser fruto do 'mundo burguês'! Um erro evidente do 'realismo socialista' (ou 'soviético') que não entendeu as vanguardas artísticas do século 20 – e querendo ser propriamente 'a vanguarda'! - como bem percebeu Peter Weiss, alemão-sueco, autor da peça teatral “Marat/Sade” e do romance “Die Ästhetik des Widerstands”.

Tanto o retirante – vítima do 'êxodo rural' – quanto o operário – vítima da exploração capitalista – são um retrato deste Brasil não-poético que as Elites desejam ocultar. O sertanejo-retirante conta a própria sina – ou a assistimos impotentes em plena leitura de “Vidas Secas” de Graciliano Ramos – para o público de literatos que esquecem as agruras do mundo não-artístico, ou não-burguês. Daí o tom chocante.

E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).

Ou então é o operário, que descobre que a sua pobreza é o que cria a riqueza do patrão, em um tal momento de 'epifania' que consegue superar a 'alienação' e ver a totalidade do mundo em formar de 'poesia',

Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

Uma poesia que pretende retratar o mundo, ou modificá-lo? Eis o que a 'vanguarda' encontrou em termos de impasse. Pode-se fazer um belo poema sobre operários e até canções de MPB, com forte apelo popular, mas não se alcançar uma superação da ‘alienação’, como é o exemplo da canção “Construção”, de Chico Buarque, que nos jogos de linguagem acaba por deixar em segundo plano a tragédia, a morte gratuita de mais um operário nas grandes metrópoles, “morreu na contramão atrapalhando o tráfego”.

A comparação entre os poetas serve mesmo para realçar o 'retrato' comum que as diferenças de estilo podem eclipsar. Ambos falam da própria poesia, ambos falam de contextos sociais, ambos são diplomatas. Ambos têm um desejo de 'retratar' os lados antilíricos do cotidiano. É assim que atingem experimentalismo e denúncia social. Para João Cabral o importante é a Arte parar de falar do umbigo do próprio autor,

“Esse tipo de poeta individualista apenas dá de si. A outra missão do leitor, no ato literário, a saber, a de colocar indiretamente na criação, é desconhecida ou negada. Este poeta não quer receber nada nem compreende que sua riqueza só pode ter origem na realidade”

Ou seja, a importância dos dados da realidade mais do que subjetividade poética autoral. Um “quadro crítico da realidade” e não visão pessoal do poeta. E ao analisar a própria 'ferramenta' de trabalho – a Linguagem poética – o Poeta usa e abusa de recursos metalinguísticos.

Metalinguagem ao abordar a estrutura, a 'arquitetura' do Poema, seja no esquematismo, seja na 'mania de simetria', seja a poesia feita com 'palavras-coisa' (a Poesia-Práxis seguiu esta trilha...) mas sempre uma 'preocupação com a linguagem, não apenas com o 'eu-lírico' (mais presente no lirismo de V. de Moraes).

Linguagem que pode ser 'pensada' ou 'sentida', 'rítmica' ou até musicada (como são evidentes as composições de Moraes para o movimento musical 'bossa-nova' com Tom Jobim, Toquinho e outros). Linguagem que pode ser 'áspera', com uma declamação não-musical, em tom seco, com menor lirismo, com um conteúdo (e ritmo) de cordel, como é evidente na obra de João Cabral.

Uma poesia de matéria bruta, mas com dilapidação simétrica, eis o objetivo do poeta da “vida severina”, no que se compara com o Graciliano Ramos, do já citado “Vidas Secas”, onde os seres humanos se desumanizam numa natureza árida e agressiva. Retirantes do meio ambiente e retirantes de si-mesmos, as personagens perdem gradativamente a capacidade de comunicação. É a perda da 'subjetividade', tão cara ao homem pós-Iluminismo.

Tanto Moraes quanto Cabral mostram uma preocupação de texto e contexto, no que se igualam a Maiakovski e Brecht, ao utilizarem recursos da linguagem poética para veicularem conteúdos antes considerados 'não-poéticos', a vida sertaneja de um retirante, ou a vida urbana de um operário.

Assim como as pinturas de Millet, Daumier e Courbert, de estilo realista, no século 19, trouxeram as imagens dos camponeses, operários – explorados e miseráveis – aos salões burgueses de Paris, assim os poetas-diplomatas souberam apresentar a “vida severina” e o “operário em construção” aos literatos que vivam em brumas líricas e torres de marfim.
.

set/10

Por Leonardo de Magalhaens
http://meucanoneocidental.blogspot.com/
.
.
.
REFERÊNCIAS

FORTUNA, Felipe. “Thiago de Mello: os enganos da utopia”. Jornal de Poesia.
(Disponível online em
http://www.revista.agulha.nom.br/ffortuna1.html
Acesso em setembro 2010)
MELO NETO, João Cabral. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1999.
_____________. João Cabral de Melo Neto / notas, estudos biográficos, histórico e crítico e exercícios por Samira Youssef Campedelli, Bejamin Abdala Jr.; seleção de textos
por José Fulaneti de Nadai. São Paulo: Abril Educação, 1982. (Literatura comentada)
MENEZES, Roniere Silva. O Traço, a Letra e a Bossa: Arte e Diplomacia em Rosa, Cabral e Vinicius. 2008. (Disponível online em http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/handle/1843/ECAP-7G5F7L)
MORAES, Vinicius de. Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.
WIKIPEDIA. “Pintura do Realismo”. Disponível online em http://pt.wikipedia.org/wiki/Pintura_do_realismo
.
.
.

sábado, 13 de novembro de 2010

Ode ao burguês - de Mário de Andrade





Mário de Andrade

Ode ao burguês


Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem-feita de São Paulo!
O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
.

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam os "Printemps" com as unhas!
.

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o èxtase fará sempre Sol!
.

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
.

Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
.

Fora! Fu! Fora o bom burgês!...


In: Paulicéia desvairada (1922)
.
.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

sobre DOM CASMURRO - de Machado de Assis








Sobre “Dom Casmurro” (1899)
romance de Machado de Assis (1839-1908)
escritor brasileiro



A máscara personal do Autor


Destaca-se na prosa da segunda metade do século 19 uma tendência a fundamentar uma estilística que superasse os formatos do romance romântico, já ultrapassado. Muitos criticavam o uso de formatos importados, advindos da literatura europeia. Contudo, muitos reagiram ao romance romântico com outras formas importadas.

A Crítica passou a considerar um novo estilo em contraponto ao estilo romântico, e denominou Realismo a este modo mais 'realista' de enfocar os modos e tipos sociais, mostrados de forma deveras subjetivista em autores como Macedo e Alencar. Muito do Realismo brasileiro era influenciado pelos autores tais como Eça de Queirós (Portugal) e Balzac, Flaubert e Maupassant (França), mas com uma tematização da 'cor local' – era importante inserir cenas da vida nacional dentro da prosa, contos ou romance.

Dentro do Realismo outros autores tenderam mais do que a 'fotografar' a realidade, mas quiseram explicar, de forma cientificista, isto é, de acordo com as teorias científica, positivistas que vicejavam na época – algo de darwinismo, psiquiatria, etc – que daria uma faceta 'séria' ao escritor e obra – queria uma prosa mais do que 'entretenimento' e mais como denúncia.

Assim – baseado em técnicas de um Zola, autor francês – um autor implantou entre nós o Naturalismo. Trata-se da obra de Aluízio de Azevedo, celebrizado basicamente por três obras 'naturalistas' - “O Mulato”, “O Homem” e “O Cortiço”. Nestas obras a ênfase nem é tanta nos indivíduos – mas nos condicionamentos de meio e raça. No que há pouco espaço para os psicologismos de um Stendhal ou de um Flaubert. Predomina um tom antropológico, onde os indivíduos não superam a condição de animais.


Pois bem, ainda dentro do Realismo, mas não encubado no Naturalismo, surgiria um autor – advindo de orlas românticas – outro autor que continuaria (de certa forma) a excepcionalidade de um Manuel Antônio de Almeida (que o assinava “O Brasileiro”), autor do insuperável “Memórias de um Sargento de Milícias” (1852-53), obra de tradição pícara de fundo hispânico, mas nacionalíssima. Conservando um riso de mofa e um tom cínico, Brás Cubas surgiria para assombrar os leitores de Machado de Assis.


A Crítica aplaude “Memórias Póstumas de Brás Cubas” (1881) como um marco do Realismo – ainda que passe longe de um Flaubert ou de um Maupasssant, e se aproxime mais de um Swift, um Sterne, um Voltaire ou um Dickens – pois supera o formato romântico ao 'desconstruir' as categorias exaltadas pelos românticos. Daí continuaria a entender o Realismo em reação ao Romantismo.


Ora, Machado de Assis fez mais. Não apenas foi iconoclasta, não apenas ficou na ironia, resolveu criar a partir da fauna de tipos e caricaturas o que transbordava de mesquinhez e banalidade na sociedade brasileira. Os proprietários, os parasitas, os funcionários, os serviçais, os escravos. Fez, entre nós, o que Gógol fizera na Rússia, o que Balzac fizera na França, o que Dickens fizera na Inglaterra. Com cerca de quarenta anos de atraso, concebeu uma galeria de personagens ao mesmo tempo brasileiras e universais.


Não falaremos aqui de “Memórias Póstumas” ou de “Quincas Borba” - obras umbilicamente ligadas pela ironia e pelo capricho – onde o cômico se entrelaça ao trágico. Mas abordaremos uma obra que se inclui em outro ciclo – o de maturidade , onde é o melancólico que se sobrepõe ao cínico. Falamos de “Dom Casmurro”, “Esaú e Jacó” e “Memorial de Aires”. Nossa ênfase aqui é “Dom Casmurro”.

Trata-se de um romance com narração em 1ª pessoa, onde Bento de Albuquerque Santiago, ou Bentinho, o chamado Dom Casmurro, reconstrói a vida com Capitolina, ou Capitu, através da escrita – cerca de 40 anos depois... “Um dia, há bastantes anos lembrou-me reproduzir no engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e economia que daquela outra, que desapareceu.”

Parece mais uma sessão de análise – compararemos com “São Bernardo” e “Angústia” de Graciliano Ramos e “Grande Sertão: Veredas” de Guimarães Rosa, ou as memórias desenfreadas de um Marcel Proust ou de um Pedro Nava. Uma voz que tenta reelaborar o 'passado' pela estilística de uma obra escrita. Escreve para melhor se entender – e se justificar. Num duplo plano, há um Narrador que se vê no mundo de outrora, onde foi uma Personagem. Há um Eu-de-hoje a falar de um Eu-de-ontem.

Que seja. Falemos das Personagens, sobre as quais há toda uma teoria - vide os compêndios de Teoria da Narrativa. Lá as personagens podem ser divididas basicamente em três tipos, a saber, indivíduos – tipos – caricaturas. De uma maior grau de individuação até uma fórmula genérica que leva ao riso.

Podemos dizer que tanto Bentinho quanto Capitu sejam indivíduos, enquanto outros – José Dias, Tio Cosme, prima Justina – se figuram bem como... figurantes. Dona Glória, por exercer uma hegemonia sobre a família, fica numa posição intermediária. Podemos dizer que Capitu se destaca como protagonista – dominadora – pessoa, isto é, a narrativa gira em torno dela; ela domina o Narrador-personagem; e depois que fechamos o livro é a única personagem que enxergamos enquanto 'pessoa', verossímil e quase tocável. É inesquecível.

Mas – detalhe não tão detalhe assim - Capitu é vista pela perspectiva de Bentinho (não há aqui um Narrador neutro – 3ª pessoa), portanto se o leitor confiar em Bentinho então poderá concluir que Capitu foi infiel. Se não confiar em Bentinho poderá considerar que é tudo fantasia de um ciumento, ou sequer chegar a qualquer certeza, pois não há certeza de qualquer informação fornecida pelo Narrador suspeito. É melhor fechar o livro. Afinal, ler é um pacto do Leitor com o Narrador/Autor.



Relações entre Autor, Narrador e Personagens


O Narrador-Personagem Bentinho é um ressentido, enquanto personagem foi um ingênuo, ao ser dominado pela mãe, pela família e pelas manobras de Capitu. Ele se sentia aprisionado e quem ama mais é quem sofre mais. Semelhante a Brás Cubas – com as cínicas 'memórias póstumas' – Bentinho nunca é totalmente confiável – ainda que seja menos cínico, e mais trágico.

Vejamos o que diz Roberto Schwarz em “Um Mestre na Periferia do Capitalismo” (2000), cujo título da obra lembra muito o daquele livro de W. Benjamin sobre o poeta simbolista francês, “Charles Baudelaire – Um Lírico no apogeu do Capitalismo” (“Charles Baudelaire, ein Lyriker im Zeitalter des Hochkapitalismus”), mas tendo em distinção a condição periférica do escritor brasileiro, ao comparar o tipo de narrador no modo discursivo – ironizar o capricho, o caráter volúvel dos proprietários cultos que narram seus dramas – assim o cínico Brás Cubas, assim o amargurado Bentinho.

Assim, a forma ostensiva das Memórias é delineada pelo movimento, ou melhor, pela futilidade do narrador; já no plano latente o feitiço vira contra o feiticeiro, e a massa das circunstâncias – desvalorizadas embora – torna-se determinante. A relevância delas por definição escapa à voz narrativa, a qual por isto mesmo fica desacreditada. Daí a presença poderosa e difusa da matéria social, sem contorno fixado, a existência que pesa e influi mas não se vê refletida numa formulação. Trata-se, noutras palavras, de um livro escrito contra o seu pseudo-autor. A estrutura é a mesma de Dom Casmurro: a denúncia de um protótipo e pró-homem das classes dominantes é empreendida na forma perversa da auto-exposição 'involuntária', ou seja, da primeira pessoa do singular usada com intenção distanciada e inimiga (comumente reservada à terceira). A chave deste procedimento está na insuficiência calculada dos pontos de vista do narrador em relação aos materiais que ele mesmo apresenta.” (p. 82)


Em relações entre personagens e autor são tema do capítulo “O Autor e a Personagem” de “Estética da Criação Verbal” do crítico russo Bakhtin. Onde encontramos interessantes afirmações.

“A luta do artista por uma imagem definida da personagem é, em grau considerável, uma luta dele consigo mesmo” (p. 4) e “O autor nos conta essa história centrada em ideias apenas na obra de arte, não na confissão de autor – se esta existe -, não em suas declarações acerca do processo de sua criação;” (p. 5)


Pensamos em Tolstoi e Dostoiévski, lidos por Bakhtin, o quanto há de cada autor nas personagens. O crítico russo faz questão de diferenciar Autor das Personagens, até de Narrador. Estão em planos distintos. Afinal, não é o autor-pessoa, com base biográfica, que se expressa na obra, mas um “autor-criador”, só compreensível a partir da Obra. Lembramos de alguns escritores. Se Flaubert dizia que “Madame Bovary sou eu”, em declarada identificação, poderíamos encontrar algum traço de Tolstoi em Anna Karenina? Ou algo de Dostoiévski em Raskolnikov? - só para ficarmos entre as personagens mais conhecidas.

“O autor vivencia a vida da personagem em categorias axiológicas inteiramente diversas daquelas em que vivencia sua própria vida e a vida de outras pessoas – que com ele participam do acontecimento ético aberto e singular da existência -, apreende-a em um contexto axiológico inteiramente distinto.” (p. 13)


Na verdade, não havendo uma 'perspectiva' do Autor, pode-se considerar uma pluralidade de perspectivas – cada personagem simbolizando um modo de ver, numa posição social diferente, numa localização geográfica ou histórica diversa. O autor então pode – no máximo – escolher uma ou duas personagens para expressar a opinião do Autor-pessoa dentro do drama. No mais, atua como 'regente', ao manter a orquestra de perspectivas num “discurso polifônico”.

Em “Bel-Ami”, por exemplo, muitos críticos identificam o Autor Maupassant na personagem do poeta Norbert de Varenne, de um lirismo amargurado diante da finitude da vida, pois o autor encontrava-se doente e consciente da morte próxima. Assim, outros tantos críticos identificam na personagem Conselheiro Aires – de “Esaú e Jacó” e “Memorial de Aires” - o próprio autor Machado de Assis, que envelhecia, mais melancólico do que cínico, a resignar-se à viuvez, e a morte iminente.

Ainda segundo Bakhtin, a identificação com personagens seria mais fácil para o leitor menos crítico, pronto a se identificar com as personagens – leitoras que se imaginam Madames Bovarys, ou leitores que se imaginam o sedutor Bel-Ami. Eis um trecho do capítulo II, A Forma Espacial da Personagem,

“Às vezes, quando pessoas sem cultura leem sem arte um romance, a percepção artística é substituída pelo sonho, não por um sonho livre e sim predeterminado pelo romance, um sonho passivo, e o leitor se compenetra da personagem central, abstrai-se de todos os elementos que lhe dão acabamento, antes de tudo da imagem externa, e vivencia a vida dessa personagem como se ele mesmo fosse o herói dessa vida.” (p. 27)


Em que medida o Narrador expressa as perspectivas do Autor? Se o Narrador não é o Autor, então quem é o Autor. Quem é Machado de Assis? Um liberal anti-monarquista? Um intelectual solitário? Um pensador a la Ivan Karamázov? Dono de um 'ceticismo ilustrado'? Um cínico? Um debochado? Um adepto do 'darwinismo social'? Um adepto da teoria do 'rodízio das Elites'?

Quando o Autor resolve criticar a burguesia de dentro das fileiras burguesas – pois Brás Cubas, Bentinho-Dom Casmurro, o Conselheiro Aires são personagens do mundo burguês, da classe dos proprietários ou funcionários, burocratas de destaque – quando há esta crítica ela parte de um não-burguês? De um anti-burguês? De um socialista? Ele zomba da burguesia para que esta se reforme? É mais uma crítica liberal ao pseudo-liberalismo?

Machado de Assis nada tem de 'revolucionário'. Assim também não era revolucionário um Swift, que era crítico – e cínico – mas não 'iconoclasta'. E assim também um Voltaire, iluminista, crítico, mas dificilmente se aliaria a um Marat, ou a um Robespierre, dentre outros 'ativistas'.

Mais anti-burguês seria um Lima Barreto, também de origem modesta, pobre. Mas diferente de Machado, o Barreto não conseguiu ascensão social, nem conseguiu 'apurar o estilo'. Ele ainda ficou no desabafo – com o ácidos romances “Recordações do Escrivão Isaias Caminha” (1909) e “Triste Fim de Policarpo Quaresma”(1915) – onde mostra os obstáculos para aqueles que desejam 'ascensão social', principalmente devido aos preconceitos de classe e cor. Tanto Machado quanto Barreto eram mulatos e sabiam o quanto o preconceito era arraigado numa cultura escravocrata – sobre a qual o decreto da Princesa Isabel foi uma mera pincelada de verniz, pois os negros foram libertados de uma escravidão e escravizados em outros modos de exploração.

As críticas de Machado de Assis se apresentam mais contra as ideias de fora que não 'fazem sentido' entre nós. Liberalismo, Iluminismo, Positivismo o que tudo isso significa na cultura brasileira? Assim como Hoffmann, o romântico alemão, ironiza o Iluminismo anglo-franco na Alemanha semi-feudal, onde os 'déspotas esclarecidos' desejavam implantar uma cultura iluminista por meio de decretos-lei. Assim como o eslavófilo Dostoiévski lamenta a invasão das ideias europeias no espírito russo. Fora do 'ambiente' original, as ideias não passam de discursos, de retórica, “o movimento das Luzes” vira ideologia – afinal, o que é as Luzes? O que seria num país semi-feudal, de exploração primitiva, que ainda 'importaria' um capitalismo liberal (com a proclamada 'democracia liberal') como uma forma alienígena (estrangeira) de pensamento e ação? Qual seria o 'modo de vida' brasileiro – sem a importação de ideias europeias?


Estrutura e Temática da Obra

Sabendo que o Narrador Bentinho não se identifica com o Autor Machado de Assis, resta-nos analisar a estrutura do romance no que apresenta de original na temática 'adultério' – tão explorada por vários autores, dentre eles os clássicos Stendhal, Flaubert, Balzac, Maupassant, Eça de Queirós – no que tem se inusitado, ou seja, não previsto. Pois o adultério nunca é apresentado, mas sempre sugerido, se houve mesmo adultério este se encontra nas 'entrelinhas'.

Citaremos agora um interessante trecho a abordar a Obra em si, contido no ensaio de Barreto Filho em “A Literatura no Brasil”, vol. 4, sob organização de Afrânio Coutinho, onde tece comentários sobre a obra Dom Casmurro,

“O livro é feito de pequenas cenas e incidentes, uma urdidura cerrada, obedecendo muito à estrutura de uma peça teatral, na entrada e saída das personagens, nos diálogos curtos e breves. Mas seria uma peça à qual se incorporou o trabalho dos bastidores, e as indicações da movimentação cênica. Isso lhe dá um aspecto único. É um gênero novo, estritamente machadiano.” (p. 165)


e

O domínio dos processos artísticos chegou nesse livro, a uma alta classe, de modo que eles não perturbam a pureza da narração, como acontece em Brás Cubas. A verdadeira história é um veio oculto, que vai correndo fora da nossa percepção imediata, mas em contato estreito com os nossos pressentimentos. (...)”

Além, a questão do destino – as personagens não são livres, são lançadas em situações-limite, decisões pelas quais não se responsabilizam,

A força inapelável que maneja as criaturas já se chama aqui o destino, e é a mesma das tragédias antigas. É ela que os combina segundo leis que não nos é dado conhecer, e a sua presença é suficientemente forte nesse livro, para lhe dar o caráter de uma pequena tragédia, que não chega à grandeza porque foge ao plano dos sublime e da exemplaridade moral. Foi a cota de sacrifício ao Naturalismo que Machado de Assis teve de pagar, essa diminuição da natureza humana, que não lhe permitia concebê-la em momentos e atitudes de grandeza, a não ser em algumas situações do Quincas Borba.” (p. 166)

Na própria narrativa o destino é lembrado enquanto objeto de reflexão do Narrador, que vê a própria estória como uma encenação num palco,“O destino não é só dramaturgo, é também o seu próprio contra-regra, isto é, designa a entrada dos personagens em cena, dá-lhes as cartas e outros objetos, e tiro.”

“Nem eu, nem tu, nem ela, nem qualquer outra pessoa desta história poderia responder mais, tão certo é que o destino, como todos os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho. Eles chegam a seu tempo, até que o pano cai, apagam-se as luzes e os espectadores vão dormir.” (cap. LXXII)


A tragédia está em que a Capitu possível adúltera é aquela mesma que compartilhou a paixão de adolescente, em promessas de amor eterno. Como poderia a heroína da estória se tornar a vilã? Pois “se te lembras da Capitu menina, hás de reconhecer que uma estava dentro da outra, como a fruta dentro da casca.”, diz Bentinho no capítulo final. A jovenzinha que nos seduziu a narrativa toda – ao seduzir o narrador nos deixamos seduzir por indução – poderá nada mais ser que uma mulher infiel que traiu o marido com o melhor amigo dele?

Parece que Barreto Filho confiou na narrativa de Bentinho, pois acredita que Capitu realmente foi uma mulher infiel.

“Essa infidelidade excede o conflito moral que os romances exploram no adultério. O livro não tem semelhante vulgaridade. É uma falha mais radical, uma traição à infância, uma negação da poesia da vida, tanto mais dura, quanto se tem a impressão de que tinha que ser assim. É essa a conclusão do escritor, a moralidade da história, se assim podemos dizer, pois tudo bem considerado, a Capitu de agora já estava toda inteira na doce companheira da meninice, que riscava a carvão, para entrelaçá-los eternamente, os nomes de ambos, no muro do quintal.
.
Muito se tem discutido sobre essa crueldade machadiana. Tem-se indagado por que teria ele resolvido transformar o idílio da infância numa infidelidade revoltante. A resposta está um pouco naquele programa traçado anteriormente no conto “Lágrimas de Xerxes”. A realidade da vida lhe parecia tão absurda e decepcionante, que o homem não tem o direito de colocar em coisa alguma um sentimento de triunfo, porque “toda epifania receberá essa nota de sarcasmo”, a fim de que o homem não ponha a sua complacência em nenhuma realidade, pois no fundo das coisas se encontra uma infidelidade radical: a incapacidade delas em saturar a aspiração de absoluto do coração humano. Infiel é a vida. Capitu é a imagem da vida
.” (p. 167)


Mas quem nos diz que Capitu traiu? Ora, Bentinho. Ou a versão dele. Então, para chegar a conclusão de que houve infidelidade basta confiar no narrador. Mas pode-se acreditar em quem, de modo ressentido, se julga traído? Ele pode inconscientemente manipular todos os eventos de forma retroativa de modo a extrair a interpretação de que a mulher foi traidora! Não há provas materiais – a mais forte é a semelhança do menino Ezequiel com o amigo Ezequiel Escobar. Mas pode não passar de impressão – ou de paranóia – do narrador. Não há a confissão da mãe, a acusada Capitu.

Quanto a Capitu – diminutivo carinhoso de Capitolina - nela temos a mesmo sedução dúbia de uma Catherine Earnshaw (“Morro dos Ventos Uivantes”, Emily Brontë), de uma Nastácia Filíppovna (“O Idiota”, Dostoiévski) ou de uma Anna Karenina (do romance de Tolstoi), assim de modo marcante se tornando a protagonista de fato do romance.

A presença das mulheres – as heroínas – ou vilãs – são mais 'convincentes' que as masculinas, mais caracterizadas como 'tipos' (o burguês, o burocrata, o mendigo, o comerciante, etc) ou 'caricaturas' (o hipócrita, o louco, o sovina, etc). A personalidade textual é aquela que não exige verossimilhança, mas consistência na estrutura do romance. Não se trata de 'alguém' mas de um ser textual que ultrapassa o papel e se materializa em nossos sentimentos de Leitor.

Em “Memórias Póstumas” temos a singela Eugênia, em contraponto a infiel Virgília. Em “Quincas Borba” temos a sedutora Sofia, que enlouquece literalmente o pobre Rubião. Em “Dom Casmurro” a dominadora mãe D. Glória e a dúbia Capitu, que nunca conheceremos realmente. Em “Esaú e Jacó” temos a Flora, que será objeto de desejo e competição entre os gêmeos Paulo e Pedro. E, por fim, a Fidélia de “Memorial de Aires”. São todas as memoráveis, enquanto as personagens masculinas são esquecidas, com raras exceções, por exemplo, o mesquinho Cotrim (Memórias Póstumas), o mendigo-filósofo Quincas Borba (criador do 'Humanitas'), e o mestre da intriga José Dias (Dom Casmurro).



Recursos da Metalinguagem / Intertextualidade


O Narrador – e assim o Autor – não hesita em demonstrar sua erudição, suas tantas leituras de uma vida de pensamento e reclusão. Uma vida de leituras, de dramas e peças de teatro, toda uma 'digestão' da cultura ocidental – sobretudo a europeia. Depois ele adentra a própria cultura nacional, a brasileira. Cita outros autores brasileiros da época, tais como José de Alencar e Álvares de Azevedo.

Outro referencial é o bardo britânico William Shakespeare (principalmente Othelo e Macbeth) – o ícone do “Cânone Ocidental” segundo o scholar Harold Bloom. Há uma citação de Macbeth, a tragédia do rei usurpador escocês,


“Ainda agora sou capaz de jurar que a voz era da fada; naturalmente as fadas, expulsas dos contos e dos versos, meteram-se no coração da gente e falam de dentro para fora. Esta, por exemplo, muita vez a ouvi clara e distinta. Há de ser prima das feiticeiras da Escócia: “Tu serás rei, Macbeth!”. “tu serás feliz, Bentinho!” [...]” (cap. C)

Na galeria de influências estão com destaque os bardos Dante e Camões, além dos clássicos gregos e romanos – por exemplo, Homero, Sêneca, etc.

Por exemplo, no capítulo CXXV, subitamente, encontramos Homero - “Príamo julga-se o mais infeliz dos homens por beijar a mão daquele que lhe matou o filho. Homero é que relata isto, e é um bom autor, não obstante contá-lo em verso, mas há narrações exatas em verso, e até mau verso. Compara tu a situação de Príamo com a minha;” - quando o Dom Casmurro faz um discurso de despedida no funeral de Escobar, que pode não passar de uma amigo-traidor.

Em outro momento, Bentinho vai ao teatro ver justamente uma peça teatral clássica com o tema do adultério - “Othelo” - que apresenta na verdade um ciumento obsessivo, pois na verdade Desdêmona era sincera e fiel.

“Jantei fora. De noite fui ao teatro. Representava-se justamente Otelo, que eu não vira nem lera nunca; sabia apenas o assunto, e estimei a coincidência. Vi as grandes raivas do mouro, por causa de um lenço – um simples lenço! - e aqui dou matéria à meditação dos psicólogos deste e de outros continentes, pois não me pude furtar à observação de que um lenço bastou a acender os ciúmes de Otelo e compor a mais sublime tragédia deste mundo.” (Cap. CXXXV)

Bentinho hesita entre envenenar-se ou vingar-se de Capitu – ela mereceria o mesmo destino da shakesperiana Desdêmona? Mas e se Capitu fosse tão inocente quanto a heroína do drama? De repente, Bentinho pode estar imaginando coisas.

Mas não. Ele quer provas. Mas quais? Um retrato serve. No capítulo CXXXIX – A Fotografia – composto de apenas um parágrafo, temos o que ele considera uma prova, para então decidir por uma solução – deixar a mulher que não foi dele, com o filho que não é dele.

“Palavra que estive a pique de crer que era vítima de uma grande ilusão, uma fantasmagoria de alucinado; mas a entrada repentina de Ezequiel, gritando: -”Mamãe! Mamãe! É hora da missa!” restituiu-me à consciência da realidade. Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura. Este era aquele; havia por força alguma fotografia de Escobar pequeno que seria o nosso pequeno Ezequiel. De boca, porém, não confessou nada; repetiu as últimas palavras, puxou do filho e saíram para a missa.”

Por mais que não tenha certeza – se a traição é real ou imaginária – a vida sentimental de Bentinho foi abalada. Provas nem são necessárias se o ciumento já se atormenta. Ele nem precisa de algo palpável. Basta IMAGINAR a traição para que haja sofrimento. Um sofrer que pode destruir o ser e todos ao redor. Daí o Bentinho tornar-se o Dom Casmurro, solitário, retirado, amargurado com uma vida que desmoronou – o amor de juventude que não foi eterno. A mulher e o filho – que não são dele – ficam na Europa, ele continua a morar no rio de Janeiro. Tempos depois, após a morte de Capitolina, o filho retorna – sempre a tratá-lo de 'pai' – e Bentinho é até amável, cordial, não quer atormentar o rapaz que é um Escobar com “sotaque afrancesado”.

O estudante viaja pelo mundo antigo – Mediterrâneo, Grécia, Egito, Palestina – e morre durante a viagem. É assim que Bento de Albuquerque, o Bentinho, encontra o seu fim na solidão. Encontra outras 'caprichosas' para ligações amorosas, mas sem continuidade. Viveu – e vai morrer - sem deixar um filho que sobreviva a ele. Aliás, praticamente a mesma condição de Brás Cubas, que declara, no final de tudo, “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”


Influências / Adaptações

O escritor mineiro Fernando Sabino (1923-2004) escreveu uma possível versão de Dom Casmurro, com uma narração em 3ª pessoa ( “Amor de Capitu”, foi publicada pela Editora Ática em 1998), onde procura-se superar o narrador dúbio da ficção machadiana. Não adiantaremos detalhes desta versão, que vale a leitura.

Uma minissérie televisiva foi produzida e veiculada pela TV Globo, em 2008, com o nome da protagonista, “Capitu”, com um arranjo de ópera-bufa e excessiva dramatização como se Dom Casmurro fosse um “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, o que não é. O filme “Memórias Póstumas” (2001) do diretor André Klotzel faz todo um sentido pela veia satírica, tragicômica. “Dom Casmurro” é mais triste do que satírico, mais amargo do que cínico.

Na versão global, criou-se uma 'caricatura' (aquela do debochado e satírico) do estilo machadiano que na verdade só serve ao “Memórias Póstumas” - sendo que as obras finais (“Dom Casmurro”, “Esaú e Jacó” e “Memorial de Aires” retornam ao tom sentimental de antes – na fase romântica – acrescentado um tom melancólico. Afinal, o Autor envelhecia, via-se viúvo, contemplava a morte próxima.



Out/10


Leonardo de Magalhaens




REFERÊNCIAS


ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: Ática, 1983.
.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. 4ª ed.
.
BENJAMIN, Walter. O Narrador. Observações sobre a Obra de Nikolai Leskov In: Obras Escolhidas. Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 1987. 3ª ed.
.
COUTINHO, Afrânio. (org.) A Literatura no Brasil. Volume IV – A Era Realista / Era de Transição. São Paulo: Global, 2004.
.
SANTOS, Luís Alberto Brandão e OLIVEIRA, Silvana Pessoa de. Sujeito, tempo e espaço ficcionais. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
.
SCHWARZ, Roberto. Um mestre na Periferia do Capitalismo. São Paulo: Ed. 34, 2000.



Pesquisa
on-line

links sobre a figura do Narrador (em Bakhtin, em W. Benjamin)


http://www.artigosonline.com.br/o-narrador-como-regente-o-papel-do-narrador-no-romance-de-dostoievski/

http://recantodasletras.uol.com.br/cronicas/102959

http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/garrafa12/robertadacosta_autor.html
.
.